Sala de espera.

Todos nós queríamos abrir o berreiro, tais como bezerros desmamados, gritando aos berros pelas nossas tetas perdidas. Mas não tínhamos o direito. Se eu chorasse, então você se veria autorizado a chorar, então todos nós passaríamos a viver em prantos, como se não tivéssemos que cuidar de mais nada na vida. Guardávamos, então, nossas lágrimas, que caíam era para dentro de nós, até ficarmos encharcados e não comportamos tanto líquido. Mas, em um momento qualquer, havia alguém que abria as comportas interiores, e a inundação começava. Quando isso acontecia, em nosso meio, todos corríamos para afagar os cabelos e dizer palavras de esperança, as quais sabíamos serem muito falsas. Mas o tipo de falsidade que se permite, porque, sem esse conforto mútuo, talvez seria ainda mais difícil a todos guardar o pranto. Todos se dirigiam aquele que não mais suportou, pois ele era o foco agora, nós, demais, não nos era merecida atenção. Perdoável aquele choro e aquela dor por ele expressa. Todos nós sabíamos que só quem se atrevia a chorar era quem não tinha mais espaço para guardar. As covinhas dos olhos eram as que mais aguentavam. Quem já chorou sabe que elas são as menores, mas melhores barreiras. Trincar os dentes, pensar em bobagem, cantar uma música, respirar fundo, contar até dez... Todos os métodos nos usávamos, até ficar com aquela dorzinha fina em cima do nariz. Às vezes, era insuportável, mas em um nível mais baixo, então nos permitíamos fingir uma vontade fisiológica. Íamos ao toalete e trancávamos a porta, mas o único líquido que sairia ali seriam lágrimas e lágrimas, mas poucas, porque se deve pensar na vermelhidão do rosto. Todo saberiam se você chorou, ainda não estando cheio, e não aceitariam a sua fraqueza. Depois uma advertência a si mesmo, uma ordem para parar. Na frente do espelho, ver se o nariz já está em sua cor normal, se o tom rosado se foi, se os olhos desincharam. Portanto, ninguém poderia chorar muito ali dentro, porque, quando se chora muito, os sintomas aparecem demais e demoram muito a se ir. E ninguém pode desconfiar. Ademais, quando você sair dali, pode alguém ter extravasado, e todos não dariam conta de dois chorões. Nossas dores eram sinceras e silenciosas. Dividíamos preocupações como se nos conhecêssemos de outra vida. O motivo de estarmos ali era o mesmo, o que nos fazia ter a mesma consciência da dor um do outro, do que passávamos em casa, da bagunça em nossas vidas, da incerteza que estávamos a passar. Todos queríamos a mesma coisa, que eles vivessem mais. Todos nós amávamos demais para deixá-los ir. Todos pensávamos demais em como seria sem eles aqui. Mas éramos forte, tínhamos esperança, acreditávamos em Deus. Aliás, nenhuma palavra foi mais dita que o nome Dele. Ele é quem sabe, Ele é quem manda, Ele é quem pode tudo. E ouvíamos como verdades incontestáveis. Esses dogmas saiam de nossas bocas a cada minuto, eram ditos por nós a nós mesmos.  Então nossa alma se aliviava, ao pensar que eles iriam para um lugar melhor, sem tubos nas bocas, sem canos passando sangue e comida, sem faixas nos braços e botas que inflam e desinflam as pernas. Sem escaras, sem máscaras e roupas verdes, sem painéis e apitos de alarme. Ouviriam pássaros, como eles, velhinhos, gostavam. Então pensávamos que eles já haviam vivido muito. Mais de setenta, mais de oitenta anos. Há quem morre ao nascer, ao ser jovem, ao ser moço, meia idade, velho. Há quem renasça dentro desse lugar, tal como um milagre. Não podíamos amargurar nosso coração com pensamentos ruins, pois devíamos sempre pensar positivo! Ainda que tudo se mostre mal, indo de água abaixo, façamos o jogo do contente: ele não morreu, ele piorou de uma coisas, mas, olha, melhorou da outra, ele abriu os olhos, mexeu a mão, o pé, respirou! E assim vivíamos. Todo dia a pensar coisas boas ao ver coisas ruins, a dizer coisas boas, a não se lamuriar, mas sim saber confortar os outros, a rir da lotação do elevador, a prescrever remédios para dormir. Éramos médicos deles, médicos uns dos outros... Mas éramos apenas pessoas que queriam ter amado mais cada um deles, que queriam ter a chance de olhar em seus olhos mais uma vez, de sentir seu abraço, seu beijo, de ouvir sua voz. Ao fim de tudo aquilo, nossa maior vontade era somente sair de mãos dadas com eles, em rumo a nossas casas, o melhor lugar do mundo, um lugar muito melhor que aquela sala de espera em horário de visita.

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