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Deus está ocupado.

Eu não sei como Deus poderia se ocupar de mim. Crianças com fome na África, guerras civis no mundo, homicídios a todo instante, famílias em separação, suicídios, doenças incuráveis e torturantes, pais morrendo, mães morrendo, filhos morrendo, dores enormes e permanentes. Então eu passei a pensar que Deus não tem mais tempo, que ele não poderia e sequer teria como se preocupar comigo. Eu não estava doente, meus pais estavam vivos, meus amigos viviam bem, eu não passava fome. Deus tinha milhares de outras ocupações. Parei de pensar em Deus quando eu tinha medo, porque não achava que meu medo era plausível para chegar a Deus. Por que, então, eu tinha medo? Não chamava Deus quando sentia dor, fosse ela no corpo, fosse na alma. Pensava que minha dor, por mais que latejasse, era pequena diante das dores mundiais. Se eu desejava algo que não tinha, não me lembrava de Deus, ficava conformada e arranjava um modo de esquecer o desejo, porque ele não era comparável a pedidos que devem ser feito

Machos.

De todas as nossas dores, o senhor não sabe? Do descaso conosco, da nossa luta, das nossas perdas e, por fim, das nossas vitórias? Não vê que, antes de sabermos o que somos, fomos muito destroçadas, de corpo e de alma? Não entende que nossos corações eram cheios de medo, nossas mãos eram sempre aflitas, nossos nervos estavam, o tempo todo, à flor da pele? O senhor, falando assim, não se recorda de que há mulheres das quais gosta, que não são assim tão maldosas como você acha? Lembra que estamos de mãos dadas, abraçadas, amarradas, empoderadas, cientes do nosso valor e da nossa vida? Se o senhor não sabe, eu digo agora, porque o seu discurso me apavora, parece velho, mas foi há uma hora, transforma nosso sonho em pesadelo, nossa conquista em derrota, nossa paz em violência. Qual o desprezo que você sente tanto, que exala como ódio e rancor, com a covardia aberta no meio do peito, deixando sair pela boca? Quantas vezes você foi ferido para atacar tanto assim as mágoas alheias, parecendo

Disposta

Morávamos em Estados diferentes e combinamos que iríamos nos encontrar no meio do caminho. Estávamos bem dispostos. Eu era disposta. Principalmente quando eu via um sorriso que eu gostava. Eu gostava do seu. Tinha dois dentes maiores bem na frente. Uma nítida opção de não ter usado aparelho. Eu amava. Eu bati meus dedos, meio bobos, nos seus dentes várias vezes, dizendo como eu gostava deles. Estávamos animados, sentados conversando sobre nossas vidas. Nós dois queríamos que elas se cruzassem muitas vezes dali por diante. Eu conseguia imaginar o cansaço ao final da semana, a estrada na frente, a alegria em chegar... Depois muitos beijos e abraços, conversas cheias de novidades, e tudo seria bom e feliz. Voltaríamos aos nossos lares cheios de saudade, e até de amor, ansiosos pelo novo dia em que iríamos nos encontrar. Faríamos planos e viagens a lugares novos, guardaríamos muitas lembranças e histórias. Eu gostava da sua dedicação, sempre disse que ser esforçado é o que mais se busca.

Alegria

Adorava as pedrinhas de areia esfoliando o joelho. Catar conchinhas diferentes e pedras que rolam por ali há muitos anos. Pegar jacaré e subir à superfície depois que veio a onda grande. Sentar na beira e ouvir a voz daquela onda pequena que era quase muda. Sentir a espuminha bater nos pés clareados pelos grãos. Boiar na água com o sol queimando a ponta do nariz grande. Ficar "estatelada" sem se preocupar com os sinais na pele. Encher-se se vitamina D. Ficar com o cabelo duro de sal, a canela seca de sol. A canela preta de sol. Andar com os pés vagarosos ou rápidos, como quisesse. Deixar-se ser enterrada pelas mãozinhas pequenas. Construir castelos e ocas de índio, com pontes e riachos. Uma piscina no meio do mar, onde cabem nós três. Era bom ser grande e cavar mais o buraco. Correr feito boba pra alegrar a cachorra maluca. Olhar o céu ficar laranja, rosa, azul, preto. A lua de um lado, o sol do outro. Ver a lua nascer com o maior brilho que já houve. Tantas