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Mostrando postagens de agosto, 2011

Luz dos Olhos.

Os olhos fecharam num segundo, lentamente. Nem deu tempo rever a vida, arrepender-se. Não deu para sorrir, lembrar-se. Nem dizer tchau ou adeus, agradecer. Nem ouvir que faria falta, orgulhar-se. A sede de viver matou a própria vida. Numa discrepância tênue e absurda. Um ultraje ao desejo de viver, uma afronta à ânsia dos que vivem. Brincadeira do destino, pegadinha da Senhora Morte, esta que, ávida, deselegante, imperiosa e inescrupulosa, só sabe fazer piada sem graça. As cores foram-se embora, veio o preto mascarando as faces, sombreando a vista, iludindo a Vida. Teimara, tal Senhora, enaltecera seu significado, lutara para se manter. Fora forte, brava, sensata. Sensatez não era a palavra do dia. Ou sentido. Ou razão.  Porque assim quero, ordenou a outra, e arrastou o manto negro, sem dar explicações, por cima da pele já sem cor, dos olhos já sem brilho. Mal sabe ela, entretanto, que, pode ter tirado a cor daquele olhar, mas que nunca vai poder apagá-lo dos olhos que o viram. A me

Cotidiano.

Passei meu melhor perfume, coloquei uma roupa bonita, que não mostrasse minhas intenções, mas que servisse para qualquer uma delas, penteei bem penteado o cabelo, passei rímel, curvei os cílios para melhorar o olhar, hidratei os lábios, levei batom para retocar. Sentei um pouco, esperei um pouco. Desisti mais uma vez, a última talvez. Cheguei em casa, joguei a roupa na cama, comi quase um quilo de chocolate, não precisava mais ser magra por hoje, prendi o cabelo num coque desleixado, escrevi umas palavras inúteis, rezei pedindo que os pedidos mudassem, olhei o celular mais umas cem vezes, umas lágrimas de raiva e desilusão caíram, deixaram o travesseiro um pouco, mas pouco, úmido, dormi feito um anjo. Acordei lembrando. Fui arrumar o que fazer.

A Solidão.

Os dias vão passando, e a certeza de que não vai passar vai continuando a morar aqui, bem pertinho de mim. E o medo vai se alojando, trazendo mais e mais bagagens. A solidão, que o recebeu de braços abertos, já se sente de casa , de tão acostumada com esse lugar. E ela não sabe ser bem-vinda, sabe que a inquilina a detesta, mas é a dona do pedaço, porque sabe que é a única a preencher tal espaço, pois não pode ficar vazio. Sabe ser útil, necessária, sabe que precisam dela na falta de outro ocupante. E que é segunda, terceira ou décima opção, talvez, mas sempre volta um dia e ali recebe abrigo. Pois a solidão habita os corpos, porque os corpos nasceram sós. E é expulsa de vez em quando, arrastam-na pelos cabelos, e ela vai embora esperneando, praguejando, jurando não voltar nunca. Mas volta. Arrependida. Sabe que não é de todo ruim, mas que rouba muitos sentimentos bons das pessoas. Não deveria culpá-las por não gostarem dela, devia ser esperta o suficiente para ser compreensiva. Mas,

Pipoca

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Que cabelo de pipoca! Pula tanto que parece que vai fugir da cabeça, sair correndo pelo mundo, pipocando por aí...

Sentir.

Palavras fluindo, dotadas de vontade própria, os milésimos de segundo pairando no ar, inertes, atônitos, inesperados. A necessidade emergente, idosa e idônea, de enxertar todos os sinais para dentro de si. Engolir, inspirar, enfiar. Respirar e fingir, controlar o espírito inquieto e neurótico que ali existia, amarrá-lo em camisa de força, escondê-lo, afastá-lo da vista. Para que tudo pareça normal, como sempre fora. Para que a vida pareça a mesma, apesar da mudança irreversível que sofrera. Não transpareça, não mostre ser o que é, equilibre-se nessa corda bamba do sentir. Não caia.  

Foto sua.

Pois fique bem quietinho aí nesse canto. Quero tirar uma foto sua. Que capture você. Vou guardar dentro da alma, junto com aquela outra nossa. Mas essa é só sua. Seu jeito perdido, zonzo, confuso, esquecido. Seja você e só isso. É só o que eu quero. Por enquanto, só a foto. Quem sabe um dia... Não vou perdê-la nunca nem vou colocá-la no meio daquela bagunça. Vai ficar separada. Não vou esquecê-la. Como talvez você esqueça de que um dia tirei essa foto.

Olhar para você.

Olhar para você tem se tornado a coisa mais difícil das piores coisas que eu podia imaginar. É cortante, rasgante, gritante. É olhar de cima de um precipício e ver-se caindo, voando buraco abaixo. Se, antes, era ver ondas em correnteza, profundeza bela e provocante, hoje, é ver um mar bravo e perigoso, que só me leva ao afogamento. Se era vontade de me jogar nessa inconstância, nesse jogo assassino de confiança, hoje, é vontade de fugir, correndo, do modo mais rápido que exista, de buscar um abrigo em que eu não olhe, não precise olhar nem por um segundo dentro dos seus olhos. Que seja embaixo da terra, acima do céu, na escuridão da solidão ou no arfar da multidão, mas que seja logo, antes que me carreguem e me joguem nessa armadilha que eu mesma planejei e esqueci de aprender como desfazê-la.