Eu sei

Eu sei, eu deveria estar feliz. Eu me peguei segurando as lágrimas porque não achava justo eu chorar. As lágrimas disseram que, se elas caem, há motivo, e quem sou eu pra impedir? Correram na minha face, e os dedos as seguraram e as secaram, acariciaram meu rosto e ofereceram um colo. Eu deixei passar, cantei um pouco, tomei o suco de uvas alcoólico. Seria o choro um efeito das uvas? Meu eu, porém, dizia que não, era um efeito de minha mesma, de não saber lidar com a alegria, de achar que já vinha a tristeza, de saber que o fardo continua nas minhas costas. Eu escolhi carregar um peso nas costas, desde quando me eximi disso? Sempre soube que não seria leve nem fácil o caminho que eu queria percorrer, mas escolhi cada trecho de modo que me guiasse aonde eu queria chegar. E agora, como voltar atrás? Por que voltar? Meus olhos se encolheram e quiseram sair da realidade, fugir, fechar, apagar as memórias, encharcar de água. Todo o sal que se mistura à água e sai tem um motivo, agora foi eu que disse a mim mesma, antes de as lágrimas terem tempo de abrir a boca. Sim, elas já tinham saído pelo canto do olhar, mesmo que eu tivesse fechado a porta. Segurei um berro e um grito, segurei desde muito tempo. Quanta dor pode caber dentro do mesmo espaço e do mesmo peito? Acho que as lágrimas são muito espaçosas, porque elas logo se acumulam e querem sair. A dor, não, ela dura e fica dentro até o coração arfar e dizer, enfim, que não aguenta mais. Ficam dias e dias, latejando, soprando alto, batendo, uivando, até eu aceitar que ouvi. Já escutei há muito tempo, isso eu sei, mas querer ouvir é diferente. Há sentimentos que eu preciso ignorar pra manter um peito fechado e seguro. Tantas qualidades a gente quer ter na vida, uma delas é ser forte, corajosa e, pra ser assim, precisa deixar o choro muito tempo guardado. Não, o choro não, a dor. Precisa deixar a dor muito tempo guardada? Quantos dias cabem em uma dor? Quantas dores cabem em um dia? Sempre que se acumula, eu quero saber. Quero contar e calcular, quero aprender a guardar mais e melhor. Que ninguém veja nem sinta nem tenha vontade de abrir sequer uma fresta de mim pra que passem palavras de confissão. Uma vez que eu conte o mínimo, tudo começa a jorrar. Saem lágrimas, porque frágeis, porque se acham justas, depois sai o pêsame, todo escuro, escorregadio, cheio de lodo, de tanto tempo que ficou guardado. Não, eu não sei aprender a soltar de pouco, tem que ser todo de uma vez. 

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