Eu nem te conhecia.

Eu gostava do cheiro do teu pescoço, do teu beijo vagaroso, do teu corte de cabelo, do teu calção frouxo, da tua insônia, mas eu nem te conhecia. Eu gostava das tuas poucas palavras, da tua falta de vontade de me dar satisfação ou de me explicar o que fazia, do teu olhar que eu não entendia, mas eu nem te conhecia. Eu gostava de te ensinar a virar o shot de fogo, de aprender a jogar sinuca, de cantar umas músicas meio envergonhada, de ver o sol nascer do teu lado, no escuro, mas eu nem te conhecia. Eu gostava da mesma banda que você, de como a gente gostava de qualquer coisa, sem reclamar de falta de atenção, mas expondo, às vezes, uma saudade, mas eu nem te conhecia. Eu gostava de não saber de nada de você, mas eu gostava de contar que meu primeiro porre foi aos quatorze anos, e que eu ainda dormia com minha mãe na mesma cama, e gostava que você, só calado, só me ouvia, mas eu nem te conhecia. Eu gostava que eu pensava em você a todo instante do meu dia, olhava as redes sociais com uma psicopatia e sabia que você também queria ver a minha vida longe de você, mas nos mantínhamos a uma distância confortável, deixando um espaço que parecia até proposital, mas eu nem te conhecia. Eu gostava de sonhar com a sua família, de achar que era seu pai no supermercado, que era sua mãe na churrascaria, de só pensar em te convidar e teu sobrinho pro piquinique com as minhas irmãs, porque eram todos pequenos e poderiam se divertir, mas eu nem te conhecia. Eu gostava de ficar empolgada pensando em um passeio juntos, uma viagem juntos, um jantar juntos, um cinema juntos, mas, de repente, gostava de te encontrar só ao acaso, de um jeito descombinado, meio desavisado, que gerava uma imensa alegria, mas eu nem te conhecia. Eu gostava de, no meio de milhões de pessoas, pensar em você numa epifania, olhando o nada, mas ver tua imagem, de não querer mais ninguém ao meu redor, só chegar em casa, mandar uma mensagem e ir ao teu encontro, mas eu nem te conhecia. Eu gostava do teu carinho no meu braço, bem lento e suave, eu ficava sentindo na minha pele por dias a fio, gostava de pensar que você perguntava quando eu ia embora, era esperando que eu ficasse, que quisesse que eu ficasse, que dissesse, mas eu nem te conhecia. Tudo isso era verdade, mas eu gostava, talvez, era mais da imagem que eu fazia, porque, você mesmo, eu nem conhecia. 

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