Quando eu chegava

Quando eu chegava, era a primeira cara que eu via ao pé da porta do ônibus. Sempre à frente. À frente até dos taxistas, que queriam primeiro o cliente. Chegava a atrapalhar a saída das pessoas. Um abraço e a frase Oi, minha filha! E o sorriso mais lindo do mundo que eu já vi até hoje. Até porque sorriso sincero não tem igual. Tomara que o José tenha esse sorriso. A camisa aberta, o boné e a chinela. Depois me ajudava a pegar a mala no bagageiro, mas era eu que ia levar, aí ficávamos naquela teimosia por alguns segundos. Eu deixava levar a mochila. A vó tinha ficado em casa, assistindo televisão. Não ouviu quando ele chamou. Mas às vezes ela ia. Ficava esperando no carro. Perguntava se eu queria comer logo pela rua. Eu dizia que ia esperar pra ver o que tinha em casa. Perguntava mais cinco vezes. A gente morava há menos de cinco minutos da rodoviária. Ele se aborrecia. Ô, que a Eunice tá demais! Eu dizia que tinha que ter paciência. Depois entendi que ele era a pessoa mais paciente do mundo. Parava o carro na garagem, eu tirava as coisas e ia pra casa. Depois ele vinha perguntar se a mãe ainda ia sair. Ela se aborrecia. Vou não, pai. Tem que ter paciência. Porque eu preciso guardar o carro. Dizia que já ia, eu dava boa noite, até amanhã. Já era tarde pra ele, e já tinha começado o noticiário. 

Quem estava na cara da porta ontem era a tia da Paulinha. Não conheço a Paulinha, mas a tia gritou Paulinha! Parece que não se viam há tempos, porque a Paulinha vinha mostrando a cidade pro filho e dizendo que havia mudado muito. Pelo menos, a tia tinha também um sorriso sincero. Todo mundo sabe como é um sorriso sincero. Mas não era banguela. Uma pena. Depois eu vi a mãe mais pra trás, que não era muito de se alvoroçar. E a gente se viu semana passada. Ela e o taxista me ajudaram com a mala. Hoje não tinha cliente pra pegar táxi. Parou o carro na garagem escura. Ela mesma teve que guardar o carro. Sorte era quando não precisava. E aquela mesma pergunta da fome. Em casa tem o que comer. A vó tinha ficado, não lembrou que eu vinha. Oi, minha filha! Foi a vó que disse. Nem sabia que você vinha. Você sabe que estou morando aqui? Eu sabia, já fazia quase dois anos. A preocupação era o que eu ia comer. Cinco vezes. Tem que ter paciência. Eu sei que a Eunice tá demais! Vimos a novela, que eu não assistia, mas ela via todo dia e dizia que também não sabia o que se passava. Mudaram a cama de lugar. Olha, agora tem uma foto do vô. Adoro essa foto dele! Tudo tudo tudo que eu tinha saudade.

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