Teias de aranha.

Aí eu te dei aquele beijo horroroso no rosto, como se fosse teu rosto que eu quisesse beijar, mas acho que meu corpo disse não pra minha boca, porque ela se recusou a encostar de novo na tua boca. Acho que foi minha cabeça que sussurrou pro meu corpo que ele nem sempre tem que fazer o que tem vontade, que acaba machucando certas outras coisas que vivem dentro dele, que parasse de ser egoísta e pensasse nos outros também, que pensasse em mim mesma, que sou dona dele. E eu, que não precisava de mais provas para contestar a verdade dos fatos, que se achavam incontestáveis no momento, pois, depois de umas três ou quatro coisas que você não fez, essa era só mais uma que entrava no rol. E por que eu precisaria de mais, se essas já bastavam tanto? Mas sempre queria mais, não é mesmo? Sempre querendo achar que havia um e outro motivo, quando esses motivos não se encaixavam de forma alguma na realidade, tanto que nem eu, a criadora deles, não os aceitava. Pois bem, mesmo que tivesse me dado vários motivos e me dito apenas um, e que esse não tivesse sido eu que houvera criado, não era plausível o suficiente. Mas, como se não bastasse, só para ser como de costume e não fugir à regra, só para eu ser, mais uma vez previsível, eu sabia que sairia dali remoendo as coisas, que sairia dali mais uma vez me culpando, me xingando, me odiando, mas, parece mesmo, quem vê pensa, que eu adoro esse tipo de coisa. Mas não adoro. Só para constar, porque nem precisava dizer, já que ninguém vai acreditar, mas eu sei disso, apesar de haver horas em que você faz o que gosta para depois acontecer o que não gosta, porque, às vezes, não sei porque motivo, não me pergunte, você acha que uma coisa não vai levar à outra, e quem não quer só viver e ser feliz achando que, um dia, vai acontecer alguma coisa, sei lá o quê, e tudo se ajeita. Só que não acontece, e aí eu volto à parte em que me magoei mais uma vez, em que acreditei mais uma vez, em que fui ingênua mais uma vez, em que não me valorizei mais uma vez, em que fui impulsiva mais uma vez. Volto à parte em que a teoria se mostrou na prática. E ao momento em que eu decidi que não me importaria, mas claro que me importo. Em que pensei na resposta que daria, mas claro que só consegui fazer uma cara de desgosto e dar aquele beijo no seu rosto, em que pensei que ouviria uma desculpa, mas claro que só ouvi o som amargo da indiferença. E digo que não é decepção, não, que acho que nem me impressiono mais, e a gente só se decepciona quando acha que a pessoa nunca pode fazer uma coisa, mas aí faz. E eu achei que era possível, porque ando achando que não há nada que não possa acontecer. Então se não é decepção, muito menos raiva, porque não consigo sentir raiva, principalmente por causa dos seus olhos e do seu sorriso, eu acho que deve ser tristeza. Aquele incômodo, embora suportável, que se impregna quando eu acho que uma pessoa sente qualquer coisinha, nem que seja respeito por mim, mas aí descubro que nem isso havia. E começo a tacar o dedo nos laços que eu criei, como se fossem teias de aranha e eu os fosse desfazendo, mas é igual mesmo a uma teia, se a aranha volta todo dia, ela a tece todo dia. Pois eu desfaço e vou-me embora, mas, quando volto, ali estão de novo, persistentes. O jeito é tirar todo o alimento de perto dessa aranha, se é que vocês me entendem, então ela não poderá tecer de novo. E não quero que ela morra de fome, só quero que vá tecer em outro lugar, mas só porque ela não é merecedora do lugar que eu lhe dei para que tecesse a teia e,pior, não faz nada para ser.

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